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KOMPANHIA

O Kronoscópio

2007

Arrojada e original, a montagem pôs em cena uma ficção científica multimídia. Recheada de efeitos especiais por todos os lados, como chuva, fogo e teletransporte, tinha como um dos pontos mais impressionantes uma sequência em que um ator contracenava com uma holografia transmitida ao vivo. Escrita e dirigida por Ricardo Karman, a peça se inspirou livremente no conto The Dead Past (1956), do escritor americano Isaac Asimov. Na trama, um professor de História estava imbuído da ideia de construir uma máquina que o permitisse ver eventos do passado. Ao apelar a um inescrupuloso cientista para executar a missão, o projeto foi eticamente distorcido e o aparelho se revelou muito mais terrível do que imaginava o ingênuo docente. A mal sucedida experiência acabou provocando sequelas desastrosas para a civilização.


A produção da Kompanhia do Centro da Terra entrelaçava intérpretes de carne e osso e suas imagens, cenários reais e virtuais, fogo e vídeo. Pelo fato de o teatro ser arte presencial e não dispor dos recursos bidimensionais das imagens digitais cinematográficas, a equipe de criação precisou encontrar soluções engenhosas para a composição da cenografia, que teve a assinatura do artista multimídia Otávio Donasci. Palco e plateia foram fundidos, produzindo uma espécie de teatro-instalação. A expansão do território de representação propiciava a diversificação dos planos de ação, misturando público e atores, cenografia e tecnologia no mesmo lugar. Literalmente foi possível fazer chover sobre a audiência. O teatro do Centro da Terra simulava um cubo mágico e os espectadores se viam engolfados no enredo.


A discussão sobre ciência, a ética e o progresso tecnológico movia a encenação. Karman eliminou algumas questões que considerou anacrônicas do livro, lançado em uma época marcada pela bomba de Hiroshima e da gênese da chamada Guerra Fria. Se a Física, a ciência que examina a natureza, abalizou o século anterior, o atual tem como polo a Biologia, a ciência investigadora da vida. No passado, os segredos dos átomos foram desvendados. Hoje, o genoma é o centro de estudos importantes. Nas palavras do diretor, “enquanto o átomo físico marcou o século XX, o 'átomo biológico' irá sinalizar o século XXI.” 


Em O Kronoscópio, o futuro podia ser lido como uma metáfora, uma maneira de revisitar o presente. A sinistra engenhoca que havia sido desenvolvida, fruto da irrefreável curiosidade humana, também se tornara uma metáfora em si. O diretor deixava uma incômoda pergunta no ar: que consequências imprevisíveis, por exemplo, a manipulação indiscriminada do genoma humano poderá trazer à humanidade?


O espetáculo criou um vocabulário específico. Termos como A.G (antes do Aquecimento Global) e d.A.G. (depois do Aquecimento Global) foram instituídos, ironicamente lembrando um dos assuntos mais debatidos na atualidade. Outras expressões também se incorporaram naturalmente à dramaturgia, como os seres organômicos, uma nova linhagem de humanóides inteligentes, artificialmente criada a partir de artimanhas genéticas que rompiam a barreira da ética. Havia também a existência de janelas virtuais, que conectavam as pessoas em qualquer lugar do planeta, prognosticando um horizonte não muito distante.


O texto buscava ressignificar a palavra progresso. O Oriente inventou os fogos de artifício e o Ocidente o canhão. Ok, são duas formas de evolução. Sabemos que a tecnologia se inseriu de vez no cotidiano e alterou a nossa percepção. Mas, apesar disso, vivemos melhor? Provocativa, a obra não desembrulhava uma resposta única.




O futuro em O Kronoscópio é uma metáfora. É um distanciamento do presente como forma de revisitá-lo. Hoje, no século XXI, experienciamos momentos de ficção científica em nosso cotidiano. Mas a questão: vivemos em um mundo melhor? Permanece.
O Kronoscópio em si, é uma outra metáfora. Os mitos de Prometeu e Fausto se fundem na antiga questão do nosso instinto exploratório. E problematizo o assunto novamente: o que é realmente progresso? O oriente inventou os fogos de artifício e o ocidente o canhão. São duas formas de progresso. Desvendamos os segredos do átomo no século passado e, agora, desvendamos o genoma. O que acontecerá daqui para frente?
A humanidade está diante de importantes decisões.
Admito que o fascínio pelo desconhecido é forte em mim. Eu gosto das grandes descobertas e aquisições humanas, sem limites. Talvez venha daí a minha paixão por ficção científica. Gosto, também, de fazer arte com tecnologia, pois entendo que dessa mistura é possível extrair uma linguagem mais contemporânea. Foram esses sentimentos que me levaram a um conto pouco conhecido de Asimov.
Achei que The Dead Past tinha algo de teatral, além do universo ficcional. Havia nele conflitos humanos que ficariam bem no palco. Diferente de outros contos que só ficariam bem no cinema. Mas ao trabalhar em sua adaptação me defrontei com questões anacrônicas colocadas por Asimov. Este conto foi escrito em 1956, no século da física, pós Hiroshima. Hoje estamos no século da biologia e as questões são outras. Enfim, foi um trabalho difícil para todos os que participaram, colaborativamente, desta adaptação.
Montar ficção científica no palco é um desafio. Não dispomos dos mágicos recursos das imagens digitais e isso dificulta as coisas. Os obstáculos impostos pelo real, maravilhosa característica do teatro, exigiram um grande esforço do elenco e soluções engenhosas da cenografia.
Também não consegui conter-me ao palco, afeito que sou a espaços não convencionais e montagens participativas. Com o conceito de instalação na cabeça, invadi a platéia e tudo virou espaço cênico.
Finalmente, os artifícios que encontramos para expressar o futuro, às vezes bastante experimentais, determinaram as características híbridas dessa montagem que nunca dispensou a ironia.
Ricardo Karman


Como voltar ao palco depois de uma Expedição Multimídia como Merlin? Esse era o desafio: voltar aos parâmetros da caixa preta depois de fazer instalações interativas do tamanho de um alqueire…
Transformar o TCT numa caixa preta de Pandora onde todos os espaços e paredes (incluídos teto e chão) fossem palcos foi a proposta, aumentando o poder de surpresa e diversificando os planos de ação dos atores. Mas abrir essas caixas de pandora tinham suas surpresas e riscos…
Como concorrer com o cinema de ficção científica com um milésimo da verba deles e sem os truques do computador? Fugindo de um futuro holywodiano para uma livre visão onde se misturam tecnologias do futuro com passadismos humanos típicos tanto nas roupas como nos hábitos e acessórios. Misturar atores vivos e suas imagens: cenários reais e virtuais, fogo e vídeo. Enfim um espetáculo como só o teatro pode dar, equilibrado, com sentimentos e dores tipicamente humanos que não mudam através dos tempos.
É um exercício de expressão num espaço concentrado de trabalho duro de todos os envolvidos seja diretor, ator ou contra-regra. Continuo apaixonado pelo processo como um todo onde o espetáculo aparece como a ponta de um iceberg, o resultado de uma coreografia onde uma dezena de pessoas e máquinas criam a ilusão do teatro. O processo é a verdade, o espetáculo a ilusão, a mágica.
Otávio Donasci



VOCABULÁRIO DO KRONOSCÓPIO

a.A.G. antes do Aquecimento Global

d.A.G. depois do Aquecimento Global

Anacronismo doutrina filosófica saudosista que cultiva hábitos do século XX, tido como o século de ouro da humanidade.

Anacronista seguidores do anacronismo

Golem “Corpo informe, embrião”. É um ser artificial mítico, associado à tradição mística do judaísmo, particularmente à cabala, que pode ser trazido a vida através de uma palavra mágica. O golem é uma possível inspiração para outros seres criados artificialmente, tal como o homunculus na alquimia e o moderno Frankenstein. Jorge Luis Borges, escreveu um poema sobre o mito judaico.

Janela virtual paredes de plasma ou similar que conectam as pessoas em qualquer lugar do mundo. São túneis de tele-presença aproximando virtualmente as pessoas. Será moda no futuro.

Kronoscópio aparelho capaz de enxergar o passado.

Máquinas orgânicas máquinas mecânicas com componentes orgânicos.

Neutrínica a ciência que estuda os neutrinos. É a física teórica por trás da kronoscopia.

Neutrino uma das partículas fundamentais que constituem o universo. É também uma das menos compreendidas. Eletricamente neutro, possui massa muito inferior à do elétron (possivelmente nula). Foi previsto teoricamente por Wolfgang Pauli e batizado por Enrico Fermi, antes de ser descoberto. Um neutrino pode atravessar anos-luz de chumbo sólido sem interagir com um só átomo.

Organômica ciência que estuda as máquinas orgânicas

Orgatron Labs multinacional da organômica

Positrônico cérebro eletro-organômico com raciocínio autônomo.

Seres organômicos nova espécie de seres vivos inteligentes, criados artificialmente em decorrência de experiências genéticas descuidadas e anti-éticas.

Projetor Holótico projetor de imagens tri-dimensionais. Usa bateria radioativa.


FICHA TÉCNICA

Fausto Tristão Helio Cicero

Hermes Kohn Yunes Chami

Andrés Costa Eduardo Semerjian

José Félix Gustavo Vaz

Lívia Tristão Mariana Martinez

participação especial Nina Libeskind e Ligia Rotter

texto e direção Ricardo Karman

cenografia / figurinos multimídia Otávio Donasci

coordenação das oficinas para adaptação do conto Samir Yazbek

colaboração no texto Elenco

tradutor Celso M. Paciornik

preparação dos atores Helio Cicero

assistente de direção Bernardo Galegale

iluminação André Boll

trilha sonora Ricardo Karman

computação gráfica Amir Admoni

produção de video Daniel Nascimento

consultor de efeitos especiais Giovanni Fois

estagiária de direção Daniela Rocha

técnico de som José Augusto

operador de luz Bernardo Galegale

operadora de video Jade Stella

operador de som Gabriel Vianna

contra-regras Antonio Lima, Francisco Oliveira, William Souza, Manoel Irmão

serralheiro Miguel Quirino

costureira Rita Angelim Lima

costura dos infláveis Moisés Cusicanqui

secretária do teatro Regina Assen

bilheteria Monica Souza

estagiários do projeto Aprendiz ONG Aprocima

projeto gráfico Keren Ora Karman

assessoria de imprensa Eliane Verbena

produção executiva Vivian Vineyard

realização Kompanhia do Centro da Terra

KOMPANHIA

04.07.1989

Kompanhia do Centro da Terra

KOMPANHIA

525 Linhas 1989

525 Linhas

KOMPANHIA

O Santo e a Porca 1991 e 2002

O Santo e a Porca

KOMPANHIA

Viagem ao Centro da Terra 1992

Viagem ao Centro da Terra

KOMPANHIA

A Grande Viagem de Merlin 1995

A Grande Viagem de Merlin

KOMPANHIA

2001

Teatro do centro da terra

KOMPANHIA

2005

sobre-viventes

KOMPANHIA

2005

I Mostra de drama­turgia

KOMPANHIA

2005 a 2016

O Ilha do Tesouro

KOMPANHIA

2007

Pneuma

KOMPANHIA

2010

Teatrokê

KOMPANHIA

2010

Aguáh - Billings

KOMPANHIA

2011

biliri e o pote vazio

KOMPANHIA

2010 a 2014

Sarau Noites na Taverna

KOMPANHIA

OVONO 2016

OVONO