KOMPANHIA
O Ilha do Tesouro - Festival Mirada
2014A montagem do espetáculo O Ilha do Tesouro desceu a serra e foi parar em Santos (SP). Convidada para integrar o prestigiado Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas (Mirada), sofreu mudanças significativas em sua adaptação - a geografia oferecida era maior e, consequentemente, o seu ciclo de duração estendeu-se por duas horas e meia. O agigantamento exigiu uma reengenharia específica e não diluiu o espírito do projeto inicial, que ganhou uma dimensão mais realista e imprevisível.
A nova empreitada do diretor Ricardo Karman contou com três barcos e uma lancha, reuniu três times concomitantes por sessão, cada um exposto a três tempos distintos, e se desenvolveu por alguns quilômetros ao longo de cinco localidades diferentes. Todos os núcleos estavam separados por centenas de metros, mas submetidos a uma coordenação central, que garantia a simultaneidade e driblava eventuais casualidades. Uma operação de fôlego para ensaiar, planejar, adaptar e montar.
O palco principal foi a Fortaleza da Barra, construída em 1584 por ordem de um almirante, que desejava reforçar a guarda da costa brasileira depois da vila de Santos ter sido atacada por piratas ingleses. Quatro séculos depois, ela abrigou outra vez uma épica história de piratas e tesouro escondido. O ponto de partida acontecia na costa continental da cidade litorânea. Em seguida, as equipes se acomodavam em embarcações e navegavam pela baía.
Após avistarem o forte e desembarcarem na ilha, filhos e pais seguiam itinerários próprios. Ambos enveredavam por trilhas pelas matas e ruínas históricas, que esporadicamente se conciliavam. Não faltavam obstáculos e situações de perigo no decorrer da jornada, como participar de lutas de espadas e guerras de bolinhas. Alguns chegavam a cair nas mãos de piratas e se tornavam prisioneiros. Claro, ali adiante seriam libertados. Personagens imprevistos cruzavam o rumo dos destemidos conquistadores, como os Cranibais, seres resgatados de Aguáh - o Espírito das Águas, do repertório da Kompanhia do Centro da Terra. Neste teatro-aventura, com jeito de videogame real, o medo e a inquietação que alguns sentiam fazia parte da proposta de superação.
Este espetáculo foi planejado para duplas (uma criança – 7 a 11 anos – e um adulto).
Texto, Criação e Direção: Ricardo Karman
Assistente de Direção: Bernardo Galegale
Elenco: Anísio Clementino, Bruna Aragão, Ellen Regina, Jaqueline Kubosky, Mário De La Rosa, Otto Blodorn, Renato Sousa, Xande Mello e Yunes Chami
Contrarregragem: Patrícia Amorim
Resenha
Se perguntarmos às crianças o que são os heróis, as resposta vêm cheias de aventuras, conquistas, demonstrações de poderes especiais, força, valores… E sobre quem são? Nesse instante, os olhares desviam, seguem a imaginação tentando encontrar pistas de reconhecimento. Pode parecer banal, mas facilidade e dúvida traduzem a maneira como a criança é construída nos dias atuais. Em casa, na escola, nos intermédios dos caminhos, o herói é sempre o outro, alguém que não a própria criança. Quantas responderiam um simples eu? É preciso possibilitar a elas a propriedade do heroico, do sentirem-se próximas ao heroísmo. Significa dizer, dar espaço ao convívio com a aventura. Pertence ao imaginário do viver um acontecimento, a superação, a surpresa consigo mesmo, a dimensão simbólica do herói não como alguém super, mas como alguém especial.
A Kompanhia do Centro da Terra, nos últimos 15 anos, gera o ambiente necessário para isso. São piratas, tesouros, desafios, armadilhas trazidas em uma narrativa repleta de aventura e de descoberta. Ao fim, as crianças percebem o afeto como o maior tesouro. Processo interessante, pois leva ao entendimento emotivo da conquista do outro, da aceitação, do sentimento verdadeiro: valores fundamentais do herói. Então o super-humano deixa de ser um extraterrestre ou um híbrido qualquer. É ele a dimensão mais profunda do sentir que lhe confirma especial. E esta é, sem dúvida, a mais importante e especial necessidade para a sobrevivência de todos nós.